Premissas conceituais orientadoras da conversa entre paisagem natural e construída, utilizadas no desenvolvimento dos exercícios propositivos físicos-espaciais, para os lugares marinheiros catarinenses, caracterizadores do Projeto Vita et Otium.
1.1 DA PAISAGEM NATURAL À PAISAGEM CONSTRUÍDA
A tradicional cidade de pedra, praticada no passado como isolada fortaleza
defensiva da natureza, abre-se contemporaneamente à paisagem natural instaurando o conceito de conectividade lato sensu.
A CONECTIVIDADE, como visão sistêmica dos componentes da paisagem
formando redes e entrelaçamentos geológicos, climáticos, ecológicos e sociais, será dominante no Projeto Vita et Otium conduzindo à ampla compreensão do modelado da macroestrutura geomorfológica da paisagem natural, bem como da paisagem construída e da sua interação holistica conformando a paisagem cultural.
De um lado paisagem natural representada pela cena dos biomas Mata Atlântica e Marinho e seus ecossistemas, de outro, paisagem construída representada basicamente pelos assentamentos humanos rurais e urbanos interligados por diferenciadas redes modais.
“Cambia todo en este mundo”
como canta Mercedes Sosa.
Raulino Reitz (em Vegetação da zona marítima de Santa Catarina. Sellowia - Anais Botânicos do Herbário Barbosa Rodrigues, n.13, 15/12/1961, ano XIII), buscando decifrar a adaptação das plantas, compreendeu a formação do litoral catarinense a partir da sedimentação e consolidação das planícies, resultantes, quem sabe, das areias carreadas pelo Prata desde o centro do continente que, imemorialmente, são trazidas pelas correntes marinhas, conformando inclusive a Ilha de Santa Catarina resultante da junção de várias paleoilhas.
Areias carreadas pelo Prata Croquis Raulino Reitz Formação da Ilha de Santa Catarina
Depois dos gentios, Silva Paes, fundador e precursor da configuração do litoral sul português, transformou toda a Ilha de Santa Catarina em imensa fortaleza, articulando pela água protegida dos rios e das baías, nomeados de “Mar de Dentro”, o conjunto de freguesias continentais e insulares matriz da ocupação urbana contemporânea.
Mar de Dentro Inscrições rupestres Fortalezas
Mais tarde chegam os demais imigrantes construindo o labirinto étnico do litoral Norte, subindo o planalto pelas calhas do Itajaí e afluentes, e do litoral Sul, com a perplexidade de acesso representada pelo barramento dos Aparados da Serra.
Resultado do jogo político na definição dos territórios estaduais da região sul, entre os estados agrários do Rio Grande do Sul e do Paraná em expansão, sobrou ao estado de Santa Catarina um imenso litoral não cobiçado devido à sua baixa produtividade agrícola. Desde lá, a mudança dos ventos e vontades, transformou seus
Desde o mundo, o estado de Santa Catarina
A costa catarinense distingue-se, segundo Ab´Saber, como segunda pontuação mais recortada de todo o litoral brasileiro conformada por trechos diferenciados da paisagem natural: no litoral norte a Baía da Babitonga, como continuidade das baías de ingressão marinha do litoral paranaense; no litoral centro, promontórios somados a ilhas e enseadas, onde reina soberana a Ilha de Santa Catarina; no litoral sul “feixes de restingas encarcerando rosários de lagunas” justapostas a arcos praiais mais amplos.
Costa catarinense
Em uma visão histórica e sistêmica da paisagem natural litorânea de Santa Catarina são diversos os componentes conectados resultando em sistema complexo. Segundo Morin (data), quanto mais complexos os sistemas, mais oportunidades e estabilidades, criando uma maior rede de nichos específicos e probabilidades de interações complexas e organísmicas.
Um dos maiores fluxos conectadores desta paisagem é representado pela dualidade de correntes atmosféricas. Vindo do norte, chegam frentes equatoriais quentes que, ao esbarrarem com as frentes frias vindas da corrente das Malvinas, provocam significativas mudanças climáticas. O litoral catarinense é o principal palco destes encontros, resultando uma região que não se caracteriza pela quantidade de chuvas anuais (entre 2500 a 3000 mm), mas pela sua regularidade. Nimmer (data) salienta região como a melhor do globo quanto à distribuição das chuvas, que atinge até 200 dias de chuva/ano sem a ocorrência de déficits hídricos , sem períodos prolongados de seca ou de chuvas.
Associado a um clima de caráter fortemente tropical, mesmo estando bem abaixo da linha do Trópico de Capricórnio (São Paulo), favorece o processo migratório das florestas tropicais em diferentes direções. A principal rota migratória das florestas tropicais brasileiras está situada junto à faixa litorânea. Não há clareza dos verdadeiros centros de dispersão da floresta tropical atlântica. Tudo indica que a região sudeste, principalmente o Sul da Bahia e o Espírito Santo, seja um dos principais centros de biodiversidade do grande bioma Mata Atlântica. Dos centros de dispersão as espécies vão migrando de forma diluitiva, em combinação com outras rotas, formando novos nichos ecológicos distintos, possíbilitando o aparecimento de novas espécies. Assim sendo, encontram-se em SC tanto espécies provenientes do norte, via litoral, como num processo de subida, espécies do Chaco Boliviano, que migram até a foz da Bacia do Prata e alongam-se pelo litoral, tendo esta segunda rota sua forma mais diluída no litoral paranaense, onde um complexo de montanhas da Serra Geral se caracteriza como um forte divisor fitogeográfico da rota sul/norte.
Ao longo das rotas migratórias destes ecossistemas, formam-se várias barreiras naturais, caracterizando os divisores fitogeográficos, que atuam como grandes filtros, impedindo que algumas espécies os ultrapassem, devido a mudanças climáticas. Isto significa que após cada um destes filtros, novas combinações metereológicas criam novos nichos e isto permite novas combinações de biodiversidade.
Na rota norte sul, os principais divisores geográficos são:
· Ao norte a Serra Geral com suas grandes encostas voltadas para o mar, representa uma barreira para as correntes formadas diariamente pelos ventos alisios e contralisios, provocando no alto destas serras um forte acumulo de nuvens. Ou estas nuvens migram levadas por correntes mais fortes para o sul ou norte ou deságuam fortes chuvas regionais. Por isso os municípios de Garuva e Joinville se caracterizam como os mais chuvosos em SC.
· Descendo ao sul, o Vale do Itajaí representa um grande dente climático tropical que mais adentra ao Estado. O rio Itajaí, correndo no sentido oeste/leste, representa uma larga porta para os fluxos das correntes e ao mesmo tempo que recebe forte influencia do planalto catarinense, uma vez que muitas de suas nascentes vêm das regiões ecotonais entre a Floresta Atlântica e a de Araucária.
· O terceiro divisor é representado pelo complexo da Serra do Tabuleiro. Esta serra se conecta diretamente com o planalto, trazendo de forma direta as influências serranas, funcionando como um grande anteparo das frentes frias trazidas pelo conhecido ”vento sul”. KLEIN (data) constata que um terço das espécies vegetais catarinense que apresentam rota migratória no sentido norte/sul, encontra seu limite austral neste complexo montanhoso. O resultado deste enorme promontório é a formação de um grande centro de biodiversidade decorrente do represamento das espécies tanto da rota norte/sul como da rota sul/norte.
· Mais ao sul, surge como altaneira a famosa “PORTA DE TORRES”. Rambo (data) descreveu este contraforte afirmando, categoricamente, que a Serra Geral se atira mar adentro, como um dos principais reguladores dos fluxos dos ecossistemas do sul do Brasil. É o limite da Floresta Atlântica e o início de um complexo paisagístico com influências mais contingenciadas pela rota norte/sul interiorana com forte influência do Chaco Boliviano.
Estas rotas formam bolsões complexos onde os ritmos, as conectividades recebem fluxos. Estes novos fluxos moldam a paisagem de forma geológica e climática, bem como a forma de ocupação pelo homem.
Importante premissa é o conceito de ECOGÊNESE proposto por Chacel (data) compreendido como um processo de cicatrização e atenuação da violencia e agressão ao meio ambiente, aliando a vontade do homem ao dinamismo da natureza e trabalhando em busca da melhoria da qualidade ambiental urbana (Curado:2006).
Contribuído para criar uma nova concepção ambiental urbana, estas idéias evoluem juntamente com o forte apelo conservacionista e com os avanços da ecologia da paisagem, envolvendo os conceitos de urbanidade e de conectividade como instrumento para atingir a sustentabilidade:
· ecossistemas interligando cidade e natureza;
· corredores ecológicos;
· redes de parques como conectores de planícies e ecossistemas;
· espaços livres como articuladores de caminhos ambientais interligados;
· trampolins ecológicos de reciclagem;
· requalificação das margens dos rios como importantes conectores;
· valorização da água;
· tratamento dos esgotos e do lixo.
Outro conceito que também orientará o projeto são as UNIDADES DE CONSERVAÇÃO como elemento de análise territorial que utiliza métodos derivados da ecologia da paisagem.
Uma unidade de paisagem corresponde a uma área com características relativamente homogêneas em seu interior. Não tem necessidade de ser igual em toda sua extensão, mas deve ser uma área com um padrão específico que se repete e a diferencia das demais áreas que envolvem a área em questão.
Os fatores determinantes para a especificidade de uma unidade de paisagem não são sempre os mesmos e podem variar dos geomorfológicos (topografia, bacias hídricas, declividades), biofísicos (cobertura do sol), uso do solo, urbanização ou a combinação destes.
A identificação de unidades de paisagem pode ser feita por meio de diferentes métodos, quantitativos e qualitativos, mas sempre com atenção ao caráter da unidade e coerência interna da área.
A cada escala de abordagem territorial, podem ser definidas diferentes áreas homogêneas e, portanto, é sempre aconselhável se utilizar de níveis hierárquicos para sua análise.
Em virtude de sua paisagem natural excepcional e muito atrativa, pessoas de variadas procedências, escolhem as amenidades litorâneas catarinenses para viver ou recrear, desde sua articulação viária, ao resto do país e ao tráfego internacional, com a construção da BR101, em 1970. |
Sedia hoje, nova e importante centralidade, constituída por crescente conurbação de cidades industriais, portuárias, terciárias ou, dominantemente, de verão, com também crescentes problemas ambientais, resultantes do embate, frente a frente, entre o invulgar patrimônio natural e a cidade de pedra inventada pelo homem. A supervalorização turística de praias e enseadas forçou alguns municípios dessa fachada urbana atlântica contínua a transformar todas as suas áreas rurais em áreas urbanas, desaparecendo, desse modo, as áreas de amortecimento representadas pela paisagem rural.
Contemporaneamente a paisagem natural é, cada vez mais, vendida viabilizando a lógica do capital. O ouro, as drogas, e principalmente a terra, são transformados pelo homem em mercadoria, para lucro do bem ou do mal. Na desindustrializada e terciária Florianópolis, voltada dominantemente ao ócio, a Ilha de Santa Catarina, com suas áreas rurais transformadas em reserva imobiliária, é negociada em pedaços cada vez menores: chácaras, lotes, e finalmente apartamentos também cada vez menores. Todo esse processo alimenta o paradoxo da idealização do valor da paisagem frente à sua desmontagem crescente pelos negócios, também crescentes.
Conurbação litorânea
A partir do século XVIII, a Ilha de Santa Catarina e o litoral catarinense exerceram papel protagonista na história da conquista do Prata. Com o declínio das navegações, este papel se desfez, levando a um gradativo processo de isolamento com as demais regiões do Brasil e até mesmo com o contexto estadual. Uma das conseqüências deste isolamento foi um modelo econômico com baixa industrialização, em especial da capital, o que a torna um caso bastante peculiar entre as capitais brasileiras, especialmente se considerarmos as regiões Sul e Sudeste.
Somente com a construção da BR-101 na década de 70, tem-se o início efetivo de rompimento do isolamento da capital para as demais regiões do estado, e do litoral, com os estados vizinhos. Abrem-se as portas para as atividades econômicas em torno do setor de serviços, com destaque para a forte expansão turística.
Sobre um cenário natural magnífico e lugares de contornos urbanos outrora despretensiosos, deu-se início a intensa ocupação. A expansão imobiliária sobrepôs estruturas naturais existentes e ocupações pretéritas, sem a atenção necessária dos impactos produzidos por tal empreendimento.
Assim, o litoral catarinense, de um nó marítimo, inaugurado pelos europeus no Atlântico Sul como ponta de lança para as riquezas do Prata e do Pacífico, descobriu-se como o novo tesouro: um contínuo de lugares turísticos, mantenedores de riqueza natural ímpar, que atrai novos conquistadores.
Neste litoral, aportamos, ocupamos, exploramos a agricultura, parcelamos propriedades, criamos caminhos, estradas, loteamos, rasgamos avenidas, vias expressas, ruas, casas, prédios, resorts, condomínios e shoppings. Montamos junto à orla um intricado acúmulo de formas construídas, que não fazem juz à cena natural. Esta alteração da paisagem e conformação dos lugares é um processo que não está finalizado. Aqui e ali é mais tímido, seja por reserva imobiliária, pela falta de acessibilidade ou por força preservacionista. Lá e acolá está no auge, com seus metros quadrados a custos restritivos. O mosaico do litoral sustenta assim a vida cotidiana e a recente descoberta do ócio.
O fato é que cada vez mais se discute os destinos urbanos e ambientais do conjunto de cidades que se enredam sobre o litoral. Apesar disto, as ações de planejamento têm passado ao largo de algumas questões fundamentais. Entre outras, verificamos que a questão ambiental na última década gradativamente entra na agenda do planejamento, assumindo importante papel. Isto acontece sem uma clara reflexão sobre as interfaces entre sítio, estrutura urbana e edificação. Planejadores e arquitetos têm se detido nas respostas ambientais do projeto na escala do edifício, enquanto na escala urbana não percebemos resultados tão práticos, sendo um campo de pesquisa com urgência de se desenvolver. O atual status de compreensão da dinâmica ambiental-urbana não correlaciona a solução da arquitetura (espacial, tecnológica, entre outros) nas suas diversas escalas com o ambiente que esta se insere. Comumente, condenam-se determinados modelos de ocupação em detrimento de outros, sem uma avaliação real de seus desempenhos. Exemplifica o tradicional embate entre a cidade compacta e a cidade espalhada no território.
Na escala do planejamento da cidade, ou do desenho urbano, as restrições parecem figurar como únicos mecanismos de condução da forma urbana. As leis de zoneamento, embora atentem para as recomendações legais nas mais diferentes esferas (municipal, estadual e federal), não integram uma efetiva compreensão das dinâmicas existentes entre ambiente natural e o ambiente construído. A legislação e a apologia das restrições não criaram mecanismos que subsidiem alternativas espaciais coerentes nas diversas escalas. No litoral catarinense, a ocupação humana tem imposto sobre o sítio físico natural um contínuo desmonte dos seus sistemas, e estes mecanismos parecem não serem capazes de limitá-lo. O “não pode” dos planos diretores condicionam ações de macro-zoneamentos, políticas, diretrizes econômicas e sociais, onde a ação propositiva espacial acaba por ser relegada a pequenas intervenções ou generalidades discursivas.
Assistiremos ao declínio do desenho global e local da cidade, enquanto zoneamento, distribuição de índices e regulações edilícias, embora necessárias, figurarem como as únicas estratégias de planejamento. Assim promoveremos, de forma sorrateira, sucessivos pequenos impactos ambientais, que caminham por desfigurar o soberbo patrimônio paisagístico e ambiental existente em todo o litoral.
Interessante observar que, em qualquer audiência pública de Planos Diretores, quase sempre a construção da cidade é colocada como antítese da preservação ambiental. Tais manifestações demonstram que não temos ainda clareza de como lidar com tema tão complexo e controverso, nos levando a refletir sobre os métodos de planejamento adotados até o presente. Não existe uma análise mais precisa das diversas variáveis que interagem para a compreensão do fenômeno urbano e o real impacto de diferentes modelos de ocupação sobre o território.
Quando planos diretores afastam-se de riscar ou propor soluções espaciais factíveis e as propostas não explicitam os seus conceitos e critérios formais, fica evidente o abandono da disciplina arquitetônica e da reflexão espacial no processo de planejamento.
Embora o resultado da aplicação das regulações determine as estruturas formais da cidade, via de regra, uma reflexão propositiva sobre a configuração espacial da cidade não comparece, em especial, na organização do espaço público em seus diferentes tipos e escalas. A falta de ciência dos métodos, da atenção aos ecossistemas e às preexistências, da participação comunitária qualitativa, e do desprezo da coisa pública têm conduzido projetos e planos diretores à gaveta e ao fracasso.
Nesta toada, os projetos do conjunto de municípios continuarão a reduzir-se a pequenas praças ou intervenções locais, que por mais que se esforcem em articular o entorno urbano, não contribuem muito no desenho global da cidade, quiçá do conjunto litorâneo. As raras propostas de grande escala serão sempre figuras complementares da estrutura rodoviarista pré-implantada, como viadutos, vias expressas e elevados, que em sua maioria são propostas de engenharia.
Seriam os condomínios a única alternativa urbana viável, eliminado a possibilidade de agregar novos espaços públicos à parca estrutura existente. Ou ainda, a implantação de loteamentos que isolam suas fronteiras através de malhas desarticuladas do entorno, desarticulados do desenho do bairro e da cidade. As leis e o descompromisso de muitos empreendedores não incentivam outras alternativas.
Esta postura tem retirado das mãos da municipalidade a gestão sobre a configuração dos lugares e da cidade, não possibilitando antever, reservar ou propor as estruturas públicas mínimas para a sustentação dos processos de urbanização.
“(...) a qualidade de um traçado se baseia sobre a pertinência funcional, monumental (hierarquias) e dimensionais (largura, comprimento e malha). Não sabemos ainda qual poderia ser a pertinência de um traçado destinado a uma cidade contemporânea, mas com certeza ela deverá inserir-se em uma convenção urbana duradoura”. (HUET, 1986. p. 86).
De fato, a estrutura pública é a componente mais perene, decretando como a cidade vai atravessar os tempos que seguirão. Porém, não bastaria propor o traçado e garantir esta estrutura pública, se não tivermos ciência da cidade que resultará deste traçado. Importa compreender qual é o resultado das estruturas urbanas públicas e o seu desempenho frente a diferentes variáveis e, fundamentalmente, os impactos sobre o meio ambiente e a vida do homem.
Assim como as areias e as plantas, os homens movimentam-se agregando-se através das migrações, remotas e recentes, à paisagem, contribuindo também na construção e descoberta do ideário conceitual orientador do Projeto Vita et Otium voltado ao aprofundamento das questões que envolvem a vida litorânea permanente, sua decantada vocação ao ócio e a qualificação da paisagem cultural marinheira catarinense.
1.2 O PAPEL DO ARQUITETO
É da formação e da competência do arquiteto projetar. Este é o papel que se espera deste profissional no planejamento urbano multidisciplinar. Projetar significa propor soluções essencialmente formais, que carregam consigo desempenhos variados, como resposta a diferentes expectativas ou demandas. Ter ciência dos significados das nossas propostas, das nossas soluções e de como isto afeta a sociedade nas suas mais diversas expectativas (econômicas, culturais, sociais, estéticas, ambientais, entre outras) deve ser a busca prioritária. Ao que parece, em um sentido contrário à lógica, os arquitetos têm abandonado este universo da sua competência.
“A área profissional da Arquitetura e do Urbanismo tem, na maioria das vezes, se limitado a procurar conhecimentos que guiem suas ações em outras disciplinas, abandonando seu método próprio e mesmo a reflexão sobre sua forma de atuação. Acreditamos que a contribuição do profissional arquiteto na formação de um corpo de conhecimento interdisciplinar sobre o meio urbano pressupõe tanto o diálogo com outros campos de conhecimento quanto a reflexão a partir de suas práticas e métodos. Somente desse modo o conhecimento pode efetivar-se como guia da atividade prática, e a prática realizar seu papel de verificação do conhecimento em todas as suas etapas de evolução.” (REIS, 2008, p. 5).
Pensar sobre espaço construído, no âmbito de atuação dos arquitetos, passa por uma reflexão espacial da configuração da cidade. Embora os agentes possam ser econômicos, políticos ou sociais, os impactos sobre o meio ambiente são físicos, formais e espaciais. Não existe modo de pensar a preservação do meio ambiente sem pensar nas estratégias espaciais para a cidade em suas diversas escalas. As críticas e o chamamento para a gestão espacial da cidade deve se estender ao universo de todos os arquitetos. Incluem-se aí os profissionais de planejamento municipal, os ditos “do mercado”, os “do mercado institucional”, e também os doutos em disciplinas alheias que trocam desenhos propositivos por grafos sócio-econômicos.
Embora sejam os arquitetos agentes essenciais do processo, profissionais que num universo multidisciplinar seriam capazes de oferecer às cidades, alternativas de desenho negociadas, podendo fazer frente às diferentes expectativas sociais, sabemos dos limites de nossas ações e rejeitamos qualquer visão romantizada neste sentido.
Está nas mãos dos arquitetos parte da resposta para a falta da proposição da estrutura espacial do território e da cidade, em especial daquela de caráter público, buscando a reversão do processo de falência da forma urbana enquanto mantenedora de atributos fundamentais da cidade, especialmente no que tange à forma e apropriação social dos lugares.
A questão ambiental é primordial, mas a necessidade do presente parece estar sobretudo, em uma conciliação da preservação ambiental com a gestão e planejamento do espaço construído.
Embora não seja possível definir com total clareza qual será o modelo de crescimento das diferentes cidades do litoral para as décadas que se seguirão, há sem dúvida a necessidade de reflexão acerca do meio ambiente e das estruturas públicas que sustentarão este crescimento. Daí a importância de ensaiar situações e riscar soluções factíveis para seus diversos lugares. Acreditamos que, se recuperarmos ou valorizarmos a proposição espacial, integrados a questão ambiental um futuro mais promissor para o litoral catarinense parece surgir no seu magnífico e anelado horizonte.
Nesse sentido persite o desafio aos arquitetos representado pela agenda contemporânea de questões prementes relativas à organização do território bem como a forma urbana da cidade litorânea:
· ocupação histórica e formas de apropriação da terra determinando as diversas malhas urbanas;
· cidade horizontal de baixa densidade dominante baseada na quadricula e servidões;
· conurbação litorânea catarinense consolidada como importante e indecifrável centralidade quanto ao seu crescimento;
· identidades e singularidades urbanas;
· requalificação das malhas urbanas existentes;
· compactação das soluções urbanas;
· aprofundamento do estudo das densidades urbanas;
· densidades versus concentração e dispersão urbana;
· verticalização versus mimetização na paisagem;
· valorização dos espaços públicos;
· evolução das infraestruturas urbanas básicas;
· aprofundamento do zoneamento litorâneo do GERCO e Projeto Orla.
· preservação dos santuários como bem público e grátis da paisagem natural;
· o artefato antrópico cidade como parte dos ecossistemas;
· o modelado da paisagem natural litorânea valorizado pela criação de uma rede de belvederes como estações ambientais ao longo da BR101;
· em paralelo ao desenho da terra (bioma Mata Atlântica), desenhar o mar (bioma Marinho), resgatando as rotas náutica perdidas.
· mobilidade, como segurança de acessibilidade, reforçando as redes modais litorâneas rodoviárias, aéreas e náuticas (marítima, fluvial e lacustre), ciclovias, calçadas e trilhas de pedestres.
2.SÍNTESE CONCEITUAL ORIENTADORA DAS LEITURAS PROPOSITIVAS
NAS ESCALAS LITORÂNEAS GLOBAL E LOCAL.
Considerando as tendências de futuro do litoral catarinense em todas as escalas :
· Em primeira escala, dominantemente atlântica, a construção de latente centralidade nova, como parte integrante da mancha urbana mais densa, junto ao Atlântico Sul, a unir, desde o centro do país, imensa teia de cidades, até o extremo sul, junto ao Prata;
· Em segunda escala, quase continental, articulado à imensa rótula viária, em torno ao Prata, enfrentando os desafios da globalização, provocados pelo Mercosul, a usufruindo seu destino preferencial ao ócio de verão, e sonhando corredores biooceânicos em direção ao Pacífico;
· Em terceira escala, regional sul brasileira, integrado aos territórios do Paraná e Rio Grande do Sul, estendendo a influência de suas manchas urbanas industriais, como importantes vetores, indutores da ocupação litorânea catarinense, transformando Porto Alegre e Curitiba em seus principais portões turísticos.
· Em quarta escala, estadual referente à cidade litorânea catarinense e às suas arquiteturas, demandando providencias sobre o planejamento do desenvolvimento, da organização do território litorâneo e do desenho qualificado de seus lugares.
· Em quinta escala, intermunicipal e local, representada pelos diferenciados segmentos litorâneos, muitos deles abrangendo de modo conurbado vários municípios ao longo da BR101 e da beira-mar e entrelaçados ao interior imediato por sucessivos anéis viários.
o projeto pretende abordar as escalas litorâneas, global e local , delimitadas pelo mar e serras, tendo a BR101 como artéria vertebradora, como redução de todas as demais.
Como explicitado, são três os conceitos básicos norteadores do Projeto Vita et Otium:
1. unidades de paisagem;
2. conectividade;
3. ecogênese
sua interação, para além da síntese conceitual, propiciará a síntese propositiva, para a escalas global e local, objetivada pelo projeto.
A Governança e Financiamentos serão os facilitadores da implantação das diretrizes propostas pelo Projeto Vita et Otium.
Texto desenvolvido pelos autores do Projeto Vita et Otium, arquitetos Nelson Saraiva da Silva e Michel de Andrado Mittmann.
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